quarta-feira, 21 de março de 2007

Entrevista a Odete Ferreira

Na revista Visão desta semana, encontra-se uma entrevista a Odete Ferreira, que foi pioneira da investigação sobre Sida em Portugal e colocou o País na imprensa internacional, ao identificar o HIV-2. A sua carreira acaba de valer-lhe o Prémio 2006 da Universidade de Lisboa, atribuído pela primeira vez.

Passaremos a publicar a entrevista, na íntegra:

Com este prémio chegam-lhe 25 mil euros. Irão ainda para a Sida?
Sim. Quero preservar para o futuro todas as estirpes de vírus que isolámos. E só do HIV-2 temos mais de cem. Por isso, a maior parte do dinheiro será para criar uma viroteca e uma seroteca, destinadas a conservar os vírus e os soros, que serão um manancial para investigação. Registaremos não só as diferentes estirpes, como a evolução que sofreram ao longo dos anos em Portugal.

Em 1984, que portas lhe abriu a identificação do HIV-2?
Estava a trabalhar com Luc Montaigner (o francês que isolou o vírus da Sida), mas tinha a minha equipa em Lisboa. Depois de ele confirmar os nossos resultados, veio a Portugal comunicar à sociedade científica, na Gulbenkian, que havia um segundo vírus da Sida. Isso valeu-me passar a ter ajuda financeira. Pela primeira vez, ganhei mil contos e consegui montar o meu laboratório. Até aí trabalhava no vírus da Sida como o Pasteur tinha trabalhado nos dele.

Isso significa o quê?
Que não tínhamos condições de protecção. Trabalhava à noite, para não haver confusões e não contaminar ninguém. Depois pude também criar o Centro Patogénico Molecular com dinheiro da Comunidade Europeia, que financiou 87% do projecto. Ao governo português cabiam os restantes 13% do financiamento, que me custaram muito mais a conseguir.

Se não tinha condições, como isolou o vírus?
Durante ano e meio, fui a única pessoa a fazer, em Portugal, detecção de anticorpos contra a Sida. Andava pelos hospitais e encontrei no Egas Moniz, em Lisboa, um grupo de doentes, vindos de África. As análises serológicas deles davam negativas, mas convenci-me de que estavam infectados com uma estirpe diferente do HIV-1. Levei a França amostras de sangue e eles conseguiram isolar o vírus em 13 das 15 que recolhera. Informaram-me então de que esse vírus tinha 35% de diferença do HIV-1, o que, pelas normas internacionais, significa que se encontrou um novo tipo de vírus, o HIV-2 neste caso.

Imaginava, então, que o combate à Sida pudesse ainda hoje não ter terminado?
Desde o inicio que estive pessimista. Achei que íamos ter uma epidemia ou pandemia e que ela seria um teste aos sistemas de saúde dos vários países. E veio, de facto, provar até que ponto a maioria deles era frágil.

Em Portugal, o que tem falhado?
A falta de educação sexual nas escolas, logo a partir dos 8 a 10 anos. Devia desmitisficar-se um pouco o corpo, até porque somos o país da Europa com maior percentagem de grávidas adolescentes. Também hoje praticamente não há campanhas de prevenção. Quando fui presidente da Comissão de Luta Contra a Sida (1992-2000), fizemos um manual para toxicodependentes usando o jargão deles e outro em crioulo. Além disso, íamos ao Casal Ventoso e ao Intendente para falar com toxicodependentes e prostitutas.

Quando pensa que haverá uma vacina?
Acho que nunca. Posso estar enganada, mas apesar de tecnologia e do dinheiro investidos, mais de 20 anos de tentativas deram em nada. Não conhecemos a proteína do vírus que desencadeia a doença. E ele muda com grande facilidade. Há muitos subtipos, tanto do HIV-1 como do HIV-2 e, assim, teria de fazer-se um cocktail de todos eles ou, pelo menos, de arranjar uma vacina para casa continente. Creio que a resposta estará nas mãos dos imunologistas, que descobrirão a forma como o nosso sistema imunitário poderá proteger-nos.

Fonte: Revista Visão, por Emília Caetano

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